quarta-feira, 10 de outubro de 2012

Aqui e lá, ler é diferente...


Há uns tempos, por motivos pessoais, tive que deixar Lisboa onde estudei e trabalhei durante cerca de 9 anos. As mudanças foram, obviamente, mais que muitas. Aquela que mais me custou e que mais me fez mudar a perspectiva que tinha de certas coisas (que dava como certas, por sinal) está ligada aos livros e aos meus hábitos de leitura.

Em Lisboa, ia todos os dias (ou quase) depois do trabalho, ao Chiado e por ali ficava uma ou duas horas a vaguear pelas livrarias. Deitava um olho às novidades, “namorava” aqueles livros que queria e não podia comprar no momento, lia um ou dois capítulos daqueles livros sobre os quais tinha as minhas dúvidas. Esta é uma das grandes vantagens das livrarias da capital e dos outros grandes centros urbanos. A grande maioria delas dá ao leitor/cliente uma certa liberdade para folhear, sentir o cheiro do papel, ler um bocadinho sem sentir constantemente os olhos do livreiro nas costas. Aquele olhar inquisidor de “o que é que queres afinal?” “Vais levar alguma coisa ou vieste só de passeio?”.
Não digo que estes olhares não nos atinjam na grande cidade ou que quem vende nunca pense assim mas na cidade grande o volume de clientes e curiosos é imenso, há gente nas livrarias. Aqui… bem, aqui entro na pequena livraria de esquina e a senhora (que por sinal é muito simpática) vem logo toda solícita. Deixa-me espiolhar a mercadoria à minha vontade, afinal já me conhece. Contudo, sendo um espaço pequenino e aberto, ela está sempre lá; o olhar nas minhas costas que me imprime uma certa pressa por vergonha de “ficar a fazer sala”. O que me custa, claro está, não é o fazer sala é fazê-la nos dias em que acabo por não levar nada. O que leva ao segundo problema.

De início comecei por encomendar tudo na internet, de preferência no site das próprias editoras. Passado uns tempos comecei a aperceber-me de que aqui, como em todas as cidades pequenas, as pessoas queixam-se muito daquilo que falta mas não ajudam a desenvolver aquilo que há. Isto é, queixamo-nos que “não há uma livraria de jeito no raio de 120Km” mas depois acabamos por comprar tudo na internet ou na grande superfície local que até vende aqueles livros mais comerciais, sem contribuirmos em nada para que a senhora da livraria ganhe o seu dinheiro e possa começar a encomendar novas coisas. Decidi então começar a ir à livraria. Compro lá muita coisa. Mas também há muita coisa que não posso trazer por se tratar de um micro negócio que tem falta de liquidez e capacidade para aceitar as regras de algumas editoras. Foi assim que aprendi que algumas editoras mais conceituadas e conhecidas aceitam encomendas de poucos exemplares, outras por sua vez apenas aceitam encomendas de um número considerável de exemplares o que impede a livraria aqui da terra de ter alguns dos livros que eu gostaria de lá comprar. “Não posso encomendar o que eles querem porque depois fico com eles aqui por vender”, foi o que me explicou a livreira simpática. Pois é, tem razão!

Posto isto, continuo a fazer algumas das minhas compras pela net. Claro que o volume de livros comprados diminuiu muito com a crise mas para isso também não tenho grande solução por aqui. Se em Lisboa podia ir à biblioteca e trazer os livros  que queria, edições bastante recentes e quase acabadinhos de sair, aqui é uma missão quase impossível. A biblioteca dedica-se sobretudo ao espólio de antiguidades e só há cerca de um ano começou a adquirir livros mais recentes. Ora, o que acontece é que o leitor mais ávido com o bolso relativamente vazio acaba por ter uma certa dificuldade em deitar a mão às novidades. Quando chegam, trazem vários meses de atraso – volumes no caso das sagas e trilogias. Serei eu tão exigente? Será que os jovens não se dedicariam mais à leitura se a biblioteca estivesse bem apetrechada de livros actuais, de algumas (não era preciso todas, obviamente) novidades, de leitura que fosse mais de encontro aos temas que lhes agradam? Quem, numa cidade pequena do interior, vai conseguir fazer um trabalho de fundo que vise o fomentar da leitura senão a biblioteca? Claro que, pela minha parte, vou fazendo os possíveis para aliciar os jovens com quem tenho contacto. Empresto livros, dou sugestões, discutimos as leituras…  Sei que há por este país fora muito professor que tenta fazer o mesmo e que este trabalho, motivado pela paixão aos livros, até dá alguns frutos mas nunca vai ser suficiente se não houver um trabalho de fundo. E dá tanto gosto quando aquele rapaz que não lia duas linhas nos vem tocar à campainha para perguntar se temos outro livro para lhe emprestar; quando aquela miúda que adora ler mas que não pode comprar um livro que seja nos aborda para saber quais são as novidades na nossa estante…!!

Com tudo isto, aconteceram duas ou três coisas umas mais estranhas que outras. Por um lado, reduzi em muito o volume de livros adquiridos na internet – aproveito apenas aquelas promoções que dão muito jeito e os livros que sei que não encontro por estas bandas. Esse tipo de aquisição impessoal que não me deixa ver bem as cores da capa, sentir o cheiro do papel enquanto folheio o livro e escolho o que hei-de levar comigo para casa. Já não passo uma hora por dia no Chiado mas continuo a cultivar o hábito, adquirido aquando da mudança, de visitar a pequena livraria de esquina uma ou duas vezes por mês. Ganhei novos hábitos de consumo – confesso que já não sei comprar nada numa fnac ou numa grande livraria. São tantos livros, ali prontinhos a ler que nunca sei o que levar. É quase como ter muita fome e colocarem-nos à frente uma mesa repleta de comida, dúzias dos nossos pratos favoritos. Ficamos sem saber o que escolher.
Por outro lado, ganhei uma alergia muito pouco saudável à biblioteca cá do sitio. Mas ganhei uma mais saudável alegria. A de partilhar (sem ser aqui) o meu gosto pelos livros, a de tentar aliciar a malta nova e, por vezes, ser bem-sucedida. Foi uma mudança radical em certos aspectos da minha vida de leitora, consumista e não só. Mas foi uma mudança que me fez ver que também no mundo dos livros há duas realidades bem diferentes que marcam o nosso país e que temos que ser nós próprios, com os recursos que temos mais à mão, a fazer a diferença e a tentar conquistar novos leitores, novos livros nas livrarias de todas as esquinas e a fazer com que os livros e a magia que trazem às nossas vidas abram cada vez mais horizontes.

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