Há
uns tempos, por motivos pessoais, tive que deixar Lisboa onde estudei e
trabalhei durante cerca de 9 anos. As mudanças foram, obviamente, mais que
muitas. Aquela que mais me custou e que mais me fez mudar a perspectiva que
tinha de certas coisas (que dava como certas, por sinal) está ligada aos livros
e aos meus hábitos de leitura.
Em
Lisboa, ia todos os dias (ou quase) depois do trabalho, ao Chiado e por ali
ficava uma ou duas horas a vaguear pelas livrarias. Deitava um olho às
novidades, “namorava” aqueles livros que queria e não podia comprar no momento,
lia um ou dois capítulos daqueles livros sobre os quais tinha as minhas
dúvidas. Esta é uma das grandes vantagens das livrarias da capital e dos outros
grandes centros urbanos. A grande maioria delas dá ao leitor/cliente uma certa liberdade
para folhear, sentir o cheiro do papel, ler um bocadinho sem sentir
constantemente os olhos do livreiro nas costas. Aquele olhar inquisidor de “o
que é que queres afinal?” “Vais levar alguma coisa ou vieste só de passeio?”.
Não
digo que estes olhares não nos atinjam na grande cidade ou que quem vende nunca
pense assim mas na cidade grande o volume de clientes e curiosos é imenso, há
gente nas livrarias. Aqui… bem, aqui entro na pequena livraria de esquina e a
senhora (que por sinal é muito simpática) vem logo toda solícita. Deixa-me
espiolhar a mercadoria à minha vontade, afinal já me conhece. Contudo, sendo um
espaço pequenino e aberto, ela está sempre lá; o olhar nas minhas costas que me
imprime uma certa pressa por vergonha de “ficar a fazer sala”. O que me custa,
claro está, não é o fazer sala é fazê-la nos dias em que acabo por não levar
nada. O que leva ao segundo problema.
De
início comecei por encomendar tudo na internet, de preferência no site das próprias
editoras. Passado uns tempos comecei a aperceber-me de que aqui, como em todas
as cidades pequenas, as pessoas queixam-se muito daquilo que falta mas não
ajudam a desenvolver aquilo que há. Isto é, queixamo-nos que “não há uma
livraria de jeito no raio de 120Km” mas depois acabamos por comprar tudo na internet
ou na grande superfície local que até vende aqueles livros mais comerciais, sem
contribuirmos em nada para que a senhora da livraria ganhe o seu dinheiro e
possa começar a encomendar novas coisas. Decidi então começar a ir à livraria.
Compro lá muita coisa. Mas também há muita coisa que não posso trazer por se
tratar de um micro negócio que tem falta de liquidez e capacidade para aceitar
as regras de algumas editoras. Foi assim que aprendi que algumas editoras mais
conceituadas e conhecidas aceitam encomendas de poucos exemplares, outras por
sua vez apenas aceitam encomendas de um número considerável de exemplares o que
impede a livraria aqui da terra de ter alguns dos livros que eu gostaria de lá
comprar. “Não posso encomendar o que eles querem porque depois fico com eles
aqui por vender”, foi o que me explicou a livreira simpática. Pois é, tem
razão!
Posto
isto, continuo a fazer algumas das minhas compras pela net. Claro que o volume
de livros comprados diminuiu muito com a crise mas para isso também não tenho
grande solução por aqui. Se em Lisboa podia ir à biblioteca e trazer os livros que queria, edições bastante recentes e quase
acabadinhos de sair, aqui é uma missão quase impossível. A biblioteca dedica-se
sobretudo ao espólio de antiguidades e só há cerca de um ano começou a adquirir
livros mais recentes. Ora, o que acontece é que o leitor mais ávido com o bolso
relativamente vazio acaba por ter uma certa dificuldade em deitar a mão às
novidades. Quando chegam, trazem vários meses de atraso – volumes no caso das
sagas e trilogias. Serei eu tão exigente? Será que os jovens não se dedicariam
mais à leitura se a biblioteca estivesse bem apetrechada de livros actuais, de
algumas (não era preciso todas, obviamente) novidades, de leitura que fosse
mais de encontro aos temas que lhes agradam? Quem, numa cidade pequena do
interior, vai conseguir fazer um trabalho de fundo que vise o fomentar da
leitura senão a biblioteca? Claro que, pela minha parte, vou fazendo os
possíveis para aliciar os jovens com quem tenho contacto. Empresto livros, dou
sugestões, discutimos as leituras… Sei
que há por este país fora muito professor que tenta fazer o mesmo e que este
trabalho, motivado pela paixão aos livros, até dá alguns frutos mas nunca vai
ser suficiente se não houver um trabalho de fundo. E dá tanto gosto quando
aquele rapaz que não lia duas linhas nos vem tocar à campainha para perguntar
se temos outro livro para lhe emprestar; quando aquela miúda que adora ler mas
que não pode comprar um livro que seja nos aborda para saber quais são as
novidades na nossa estante…!!
Com
tudo isto, aconteceram duas ou três coisas umas mais estranhas que outras. Por
um lado, reduzi em muito o volume de livros adquiridos na internet – aproveito apenas
aquelas promoções que dão muito jeito e os livros que sei que não encontro por
estas bandas. Esse tipo de aquisição impessoal que não me deixa ver bem as cores da capa, sentir o cheiro do papel enquanto folheio o livro e escolho o que hei-de levar comigo para casa. Já não passo uma hora por dia no Chiado mas continuo a cultivar o
hábito, adquirido aquando da mudança, de visitar a pequena livraria de esquina
uma ou duas vezes por mês. Ganhei novos hábitos de consumo – confesso que já
não sei comprar nada numa fnac ou numa grande livraria. São tantos livros, ali
prontinhos a ler que nunca sei o que levar. É quase como ter muita fome e colocarem-nos
à frente uma mesa repleta de comida, dúzias dos nossos pratos favoritos.
Ficamos sem saber o que escolher.
Por
outro lado, ganhei uma alergia muito pouco saudável à biblioteca cá do sitio.
Mas ganhei uma mais saudável alegria. A de partilhar (sem ser aqui) o meu gosto
pelos livros, a de tentar aliciar a malta nova e, por vezes, ser bem-sucedida.
Foi uma mudança radical em certos aspectos da minha vida de leitora, consumista
e não só. Mas foi uma mudança que me fez ver que também no mundo dos livros há
duas realidades bem diferentes que marcam o nosso país e que temos que ser nós
próprios, com os recursos que temos mais à mão, a fazer a diferença e a tentar
conquistar novos leitores, novos livros nas livrarias de todas as esquinas e a
fazer com que os livros e a magia que trazem às nossas vidas abram cada vez
mais horizontes.
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